Dos Crimes contra a Pessoa
De acordo com o princípio da Prévia Tipicidade, não há meio tipo, não há analogia ou quase crime. Pense assim: ou a conduta é típica ou não é. E ainda o tipo deve ser expresso em lei, não pode ser em outra modalidade normativa, e deve estar previamente vigente ao cometimento da conduta, só assim se pode falar em crime.
CF Art. 5º XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
O tipo penal tem o verbo núcleo. Esse verbo pode ser único (unitário ) ou podem existir vários verbos (múltiplo). O núcleo é o ajuste do verbo a conduta. Tome o art 121:
CP Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
verbo matar é verbo unitário? Sim. É um tipo composto por um verbo unitário. Esse verbo é nuclear pois integra o elemento subjetivo do injusto. Preste atenção que aqui quando se fala injusto não é a respeito do conceito de justiça ou injustiça, mas sim o valor tutelado pela norma jurídica penal.
O bem juridicamente tutelado de forma difusa neste artigo é a pessoa. E o bem juridicamente tutelado dentro desse preceito normativo é o bem jurídico vida
Elementar do tipo penal geralmente se confunde com o próprio verbo. O verbo integra a elementar enquanto conduta ajustada a uma finalidade que é atingir o elemento subjetivo do injusto. A conduta nesse caso atinge o bem juridicamente tutelado que é a vida.
Elementar é um dado que uma vez que é extraído do tipo penal, observa-se dois efeitos, um mais drástico é fazer com que o próprio tipo penal desapareça, e assim a conduta não é crime. Exemplo: Se do crime de estelionato for retirada a fraude mas se for mantida a vantagem, deixa de ser estelionato. O crime está em ter a vantagem ilícita mediante a fraude. Sem fraude, mesmo sem tendo vantagem, não é estelionato.
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Olha só esse caso.. Aconteceu exatamente o que o professor falou acima:
142000254731 – PENAL E PROCESSUAL – CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR NÃO DEMONSTRADA – CRIME DE ESTELIONATO SIMPLES – ABSOLVIÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – O acusado, ao se defender, o faz à luz dos fatos que lhe são imputados na denúncia, não estando o juiz adstrito à classificação jurídica nela constante. Contudo, se a denúncia deixou de narrar o meio fraudulento com que se houve o acusado para induzir ou manter a vítima e/ou terceiro em erro e, se não vieram para os autos provas que demonstrem essa conduta, descaracterizado está o crime do art. 171, caput, do código penal . (TJDFT – Proc. 20100110983509 – (711748) – Rel. Des. Romão C. Oliveira – DJe 17.09.2013 – p. 1538)
O segundo possível desdobramento do afastamento da elementar é que um outro tipo penal que pré-existe pode se agregar o outro dentro do mesmo valor juridicamente tutelado, mas em uma proposta que desestrutura sua finalidade. Lembrando que a teoria finalista da ação é adotada pelo código. Em outras palavras, a conduta que não tem uma elementar para determinado crime, não é aquele crime, mas pode ainda reunir as elementares para outro tipo penal e ainda ser crime.
Exemplo: Se retirada a elementar “violência “do roubo (art. 151) , deixa de ser crime de roubo, mas não deixa de ser crime, pois trata-se do tipo furto (art. 155).
Roubo
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Furto
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Olhem o julgado abaixo. A discussão se dá exatamente se houve ou não a elementar violência ou grave ameaça:
136000057260 – PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE ROUBO – SENTENÇA CONDENATÓRIA DESCLASSIFICANDO PARA FURTO SIMPLES – INSURGÊNCIA MINISTERIAL POSTULANDO A CONDENAÇÃO NOS TERMOS DA DENÚNCIA OFERTADA – ART. 157, § 2º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL – POSSIBILIDADE – RESTANDO COMPROVADO A GRAVE AMEAÇA À OFENDIDA, A REFORMA DA SENTENÇA É MEDIDA QUE SE IMPÕE – DEVENDO O APELADO SER CONDENADO PELO CRIME DE ROUBO – RECURSO PROVIDO – 1- Uma vez comprovado que o réu portava uma arma branca no momento do cometimento do delito, restou configurada a grave ameaça à ofendida. Devendo, portanto, ser reformada a sentença de primeiro grau, para condenar o Apelado nos termos da denúncia ofertada. 2- Recurso a que se dá provimento. (TJAC – Ap 0000693-60.2012.8.01.0001 – (22.284) – C.Crim. – Relª Desª Denise Bonfim – DJe 07.10.2016 – p. 10)
O verbo muitas vezes se confunde com a elementar. Retirando o verbo “matar” afasta-se o crime, pois afasta-se a conduta típica.
O tipo penal mais objetivo claro e preciso é “verbo + destinatário”. Matar alguém. Veja que não há modo, nesse caso quando não se tem o modo como elementar, pode ser de qualquer modo, ou seja este é livre. E vale o mesmo quando não há forma, a forma pode ser múltipla.
No crime de homicídio a forma eleita para atingir o resultado morte, embora livre e múltipla, pode qualificar ou se agravar. A qualificadora se predomina em relação ao agravante. Veja o artigo 61 CP
art. 61 CP – agravam a pena quando nao constitui ou qualificam o crime.
a qualificadora é um dado que se encontra dentro do próprio crime, no artigo que o tipifica, e que prevê ao mesmo tipo penal uma nova pena mínima e máxima.
As causas de aumento e diminuição também se encontram inseridas dentro de um mesmo tipo penal. Entretanto, tendo por base a mesma pena prevista no caput, permite um aumento ou diminuição proporcional.
As agravantes estão fora do tipo penal. Agravantes alcançam qualquer crime previsto na parte especial desde que compatíveis. Por isso são genéricas e não específicas como são as qualificadoras.
Algumas agravantes não são compatíveis com crimes culposos. Por exemplo crime contra idoso não cabe no crime culposo, pois o agente não poderia prever a idade da vítima.
Agora veja o paragrafo segundo do ar. 121 CP:
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo futil;
(…)
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Compare com o art. 61.
Circunstâncias agravantes
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
(…)
II – ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
(…)
Veja que motivo torpe ou fútil aparece nos dois… são agravantes ou qualificadoras? Acumulam?
A resposta é não. A qualificadora sempre prevalece.
Qualificar o tipo penal não altera as suas elementares. A forma eleita para matar foi cruel. Isso deixou de ser homicídio? Não, somente é qualificado, por conta da forma, do meio para se atingir a mesma finalidade.
E os crimes de verbos múltiplos? Como tratá-los? Veja o exemplo:
CP Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Aqui há mais de um verbo. Indica que cada um tem que ser praticado da mesma forma?
art 33 da Lei 11.343/06 – Lei anti drogas
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa
A multiplicidade de verbos surgiu pois o legislador percebeu que havia maneiras do agente se esquivar do tipo se mantivesse um só verbo… imagina uma placa proibido fumar. Entra um cidadão com um cigarro aceso. Ele pode alegar que não está fumando e sim esta portando o cigarro aceso. Por isso o legislador usa verbos múltiplos.
Geralmente o direito penal não conceitua em detalhe. O legislador usa norma penal em branco. Ou norma penal remetida… Isso é a mesma coisa. Ele quer que o intérprete use outra norma para explicar o tipo penal. A lei de drogas não define o que é droga. E aí? Quem define? Uma portaria do governo.
O legislador penal foge de conceitos. Eles são trazidos por forma indireta, Há exceções, quando no próprio codigo penal o legislador conceituou funcionário público por exemplo:
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
E aí surge uma dúvida. Como tipificar o homicídio sem considerar o conceito do que é “vida”. É dificil estabelecer esse conceito, quando ela começa? Como ela influencia no tipo da eutanásia, morte assistida, aborto, relação médico e paciente, etc…
olhem o artigo 124:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
•• O STF, no julgamento da ADPF n. 54, de 12-4-2012, decidiu, por maioria de votos, julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada neste artigo.
•• A Resolução n. 1.989, de 10-5-2012, do Conselho Federal de Medicina, dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto e dá outras providências.
• Vide art. 74, § 1.º, do CPP.
• Vide art. 89 da Lei n. 9.099, de 26-9-1995.
olha só as notas do seu vade mecum… O legislador definiu um elemento, a exceção do aborto necessário, e trouxe o anencéfalo para isso. Ativismo judiciário, pois não é isso que a lei diz.
Em decisão o TJ do RJ entendeu que o 229 do código penal é atípico quando não envolver vulnerável. Legislou também. Criou uma conduta que não esta escrita no 229.
Rufianismo
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Crimes dolosos contra a vida.
O dolo deve ser específico. O dolo direto, quando o objetivo do agente é específico. Atingir o resultado do evento morte. Teoria alemã em relação ao finalismo. Não importa o resultado, mas sim a intenção. Despreza o resultado e valoriza a intencionalidade. Devem ser voltados ao dolo específico e à finalidade do agente.
Nem todo o crime que tem o resultado morte é crime contra a vida, pois tem que observar a finalidade. E às vezes nem é crime contra a pessoa, pois pode ser contra o patrimônio por exemplo.
No caso dos crimes preterdolosos, a finalidade é outra. É por esse motivo que o crime não é contra a pessoa, nem contra a vida. Tome de exemplo o latrocínio. Resulta em morte mas a intenção é o patrimônio.
CP Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
veja que o verbo é “subtrair” e a forma é a “grave ameaça ou violência a pessoa”. Agora veja o paragrafo terceiro:
§ 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.
assim o latrocínio não é um crime contra a vida, mas sim um crime contra o patrimônio mas é qualificado pelo resultado da morte.
No estupro seguido de morte… ocorre o mesmo:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 2 Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
A intenção pela morte é chamada de Animus necandi = intenção de matar
Dolo eventual
o resultado é eventual, mas não o dolo… Por isso que a doutrina não consegue explicar bem o dolo eventual. O resultado não é desejado pelo agente, pois, se fosse, seria dolo específico. O resultado é previsível. E a este resultado ocorrendo ou não, para o agente é indiferente.
Vou jogar essa mesa pela janela… Nem olhei se tinha alguém lá em baixo… ah.. dane-se… não estou nem aí. Sou indiferente.
O dolo eventual esta no art. 18
Art. 18 – Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Culpa consciente
é igual o dolo eventual em relação ao resultado, pois não é desejado. Mas existe a crença de que o resultado não vai acontecer. Por isso entende-se que não se assumiu o risco de produzí-lo.
O sinal está intermitente.. eu passo mesmo assim. Tenho fé de que nada ocorrerá.
Hoje se banalizam os crimes de trânsito. Todo o crime de trânsito é crime de homicídio.. Ai perguntam… e se fosse seu filho? Mas essa pergunta não serve para o operador do direito. É muito difícil provar a consciência ou a eventualidade…
A tipificação tem um motivo. O valor jurídico tutelado. O legislador ajustou esses valores às espécies de pena.
Morte – é a primeira espécie de pena. É prevista somente em tempos de guerra.
física – essa é vedada pela CF 88, pois veda tortura.
Dignidade – pena infamante. Havia nas ordenações filipinas. Dormir com a freira.. ébrio contumaz condenado à barrica, ser envolvido no tonel para que não possa entrar em bar… vítima de adultério deveria desfilar com chifres vermelhos… e aí temos as penas adotadas hoje:
Liberdade, restrição de direitos e patrimônio
e os bens tutelados
121 a 128 vida
129 a 137 integridade física/saúde
138 a 145 dignidade
146 a 154 liberdade
155 a 180-A patrimônio
Nelson Hungria. Todos somos homicidas em potencial. O único crime que eu não posso dizer que nunca vou praticar. As excludentes de ilicitude permitem o homicídio em legitima defesa… necessidade… e mesmo assim existe na forma culposa. E por isso que ele é o único crime que no paragrafo primeiro começa amenizado o dolo. Estabelecendo a figura do privilégio.